Por Jayme Fogagnolo Cobra
Na semana passada, falei um pouco sobre os tratamentos dos doentes reumatológicos com fármacos imunobiológicos no contexto da epidemia da COVID-19. Hoje, quero voltar a esse tema, pois esses fármacos têm uma grande importância no tratamento das doenças reumatológicas e, ao mesmo tempo, são um bom exemplo da evolução da tecnologia em favor da saúde.
Fármacos Imunobiológicos
O tratamento com os fármacos imunobiológicos na reumatologia é relativamente recente. Esses medicamentos estão disponíveis desde a virada do milênio. Só a partir de 2012, eles foram integrados ao Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que tem garantido a cobertura desses tratamentos, para algumas doenças, pelas operadoras de saúde suplementar.
A indústria farmacêutica investe pesado na descoberta e produção de moléculas que são produzidas a partir da manipulação genética de certas populações celulares que determinam a transcrição de proteínas que são isoladas e purificadas e se tornam os fármacos imunobiológicos, que, por sua vez, atuam na modulação do sistema imunológico e da resposta inflamatória nas doenças imunoinflamatórias. É o resultado de muita pesquisa e inovação a favor da saúde. Já escrevi em algum momento aqui que das 5 marcas de maior faturamento da indústria farmacêutica no mundo, 4 são fármacos imunobiológicos utilizados para o tratamento de artrite reumatoide, espondilite anquilosante e artrite psoriática.
Eu tive a oportunidade, de visitar uma fábrica de imunobiológicos na Holanda há aproximadamente 15 anos. O que vi na época foi uma estrutura extremamente complexa, futurista mesmo, com um elevadíssimo grau de tecnologia envolvido e um rígido controle de qualidade. Todo esse investimento consegue produzir remédios inovadores, eficientes e seguros sim, mas por outro lado, de altíssimo custo.
São tratamentos que podem acarretar custos estratosféricos. Algo em torno de R$ 50 e R$ 100 mil reais por ano por paciente, podendo se estender por um período de tempo indeterminado, já que estamos a falar do tratamento de doenças crônicas e evolutivas.
Custos X resultados
Eu acredito que o ponto-chave aqui não é o uso da tecnologia em si, mas como utilizá-la de forma racional considerando custo e resultado. Vamos pegar o caso de um paciente com artrite reumatoide, por exemplo. Ainda não há definição sobre o tempo de tratamento desse paciente. Por tratar-se de doença crônica e evolutiva, teoricamente o tratamento deve se dar pela vida toda. Podemos tratá-lo com o medicamento imunobiológico, mas por quanto tempo conseguiremos manter esse tratamento de alto custo?
Uma das preocupações da Cobra Reumatologia é tentar garantir o acesso da maior parte das pessoas que necessitam dessa tecnologia com sustentabilidade para os sistemas de saúde.
Quando estivemos na Alemanha, Camille e eu, contribuímos com uma pesquisa liderada pelo Prof. Georg Schett, Chefe do Departamento de Reumatologia e Imunologia da Friedrich-Alexander Universität Erlangen-Nuremberg (FAU), denominada RETRO: Relapsing Treatment Rheumatoid Arthritis. Um dos resultados observado foi a redução de mais de 60% do custo do tratamento em um determinado grupo de pacientes que estavam em uso de imunobiológicos. Isso foi possível pela redução das doses dos imunobiológicos ou até mesmo suspenção do tratamento, em pacientes que estavam em remissão completa e sustentada por mais de um ano.
Reforçamos o conceito de que quanto mais precoce é o início do tratamento, seja com imunobiológico ou não, mais rápida e sustentada é a remissão da doença. Assim, é maior a probabilidade de se conseguir retirar o tratamento no prazo de um ou dois anos e, ainda assim, manter a remissão da doença por um longo período de tempo. Então, ao invés do doente passar muitos anos, ou indefinidamente, em tratamento com imunobiológicos, é possível atingirmos o desfecho clínico (remissão sustentada da doença) com tratamento por um período relativamente mais curto, desde que iniciado muito precocemente, com dois ou três meses de início da doença.
Os inúmeros desdobramentos do RETRO são bons referenciais para a introdução da prática da “reumatologia baseada em valor”:
- O doente atinge o desfecho desejado: a doença controlada, em remissão sustentada com a menor quantidade de remédios pelo menor tempo possível.
- A indústria farmacêutica continua tendo o estímulo para desenvolver novos fármacos;
- As fontes financiadoras dos sistemas de saúde conseguem reduzir os seus custos, entregando melhores resultados aos seus clientes.
Para saber mais sobre os resultados do RETRO, acesse os artigos publicados:
1. Relapse rates in patients with rheumatoid arthritis in stable remission tapering or stopping antirheumatic therapy: interim results from the prospective randomised controlled RETRO study
https://ard.bmj.com/content/75/1/45.short
2. Antimodified protein antibody response pattern influences the risk for disease relapse in patients with rheumatoid arthritis tapering disease modifying antirheumatic drugs
Jayme Fogagnolo Cobra, Médico na Clínica de Reumatologia Prof. Dr. Castor Jordão Cobra.
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